quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

DESEMPREGO EM PORTEL SEGUE O RITMO DO RESTANTE DO PAÍS

Depois de um ano de recuperação em 2014, o desemprego em Portel voltou a crescer em 2015, como já havíamos adiantado em meados do ano passado. Essas são as informações reveladas pelos números divulgados pelo CAGED, do Ministério do Trabalho. O ano de 2015 fechou com um saldo de 200 contratações em carteira assinada contra 262 demissões, resultando em uma perda líquida de 62 postos de trabalho.

Esse resultado negativo segue a tendência geral de perda de emprego, observada pelo país inteiro. É um dado desanimador principalmente quando comparado com o período de 2011 a 2013, em que Portel perdeu 1.156 postos de trabalho. Mas não é tão ruim quando comparado com o município vizinho de Breves, que teve uma perda líquida de 95 postos de trabalho. Breves amarga o segundo ano seguido de aumento do desemprego. Enquanto na capital, Belém, em seu terceiro ano de retração, fechou com quase doze mil empregos a menos em 2015.

Os dois municípios vizinhos oferecem, aliás, um bom comparativo na solução para a crise do fim do ciclo da indústria madeireira, que aconteceu em 2008. Enquanto Breves levou um golpe ainda mais violento que Portel com fechamento das serrarias, sofrendo perda de 1.201 empregos de carteira assinada, o município dos furos do Marajó logo se recuperou, encontrando vocação como prestadora de serviços de saúde e educação para os moradores das cidades vizinhas.

O Hospital Regional de Breves abriu em 2010 e, no período, várias faculdades particulares estabeleceram-se no município. Posteriormente o campus da UFPA em Breves foi ampliado, passando a oferecer mais cursos, inclusive de pós-graduação. Atualmente, dezenas de estudantes de Portel viajam diariamente para Breves, para cursar a faculdade, sem contar estudantes de outros municípios. Como resultado, entre 2011 e 2013, enquanto Portel perdeu 1.156 postos de trabalho, Breves ganhou 778 novos. Mas essa fase de crescimento do município dos Furos do Marajó parece ter se esgotado, e Breves entra no segundo ano de crescimento do desemprego.

De qualquer forma, fica o exemplo para Portel: cada município deve investir na sua vocação. Enquanto para Breves está localizada em uma ilha, junto a uma via fluvial que é passagem entre Belém e as principais cidades da Amazônia, e tem naturalmente a lucrar com o comércio e a prestação de serviços, Portel é continente, e fica localizada em uma ponta, que é fim de linha dos barcos.

A saída para Portel é investir em produção agrícola, na estrada, e no escoamento dessa produção para o restante do país, e do mundo. Esse é o remédio contra o desemprego. 

domingo, 3 de janeiro de 2016

COMUNIDADES DO CAXIUANÃ, BOLSA FAMÍLIA E 'EFEITO MORTADELA'



O artigo da Folha de São Paulo

Na edição de 19 de novembro último, um artigo publicado pelo jornal Folha de São Paulo transformou em notícia nacional os hábitos alimentares de uma comunidade no interior de Portel e sua relação com o programa Bolsa Família, do Governo Federal, ao mesmo tempo em que desnudou todo o preconceito da mídia contra os que precisam dos programas sociais.

O artigo, intitulado “Na Amazônia, Bolsa Família causa ‘efeito mortadela’ entre ribeirinhos”, divulgou os resultados de pesquisa realizada pela bioantropóloga norte-americana Barbara Piperata junto a comunidades do Caxiuanã, no rio Anapu, interior de Portel.


Tomando como ponto de partida uma pesquisa científica, o artigo é um belo exemplo de como o desconhecimento sobre a Amazônia e o viés ideológico da mídia distorcem a visão dos fatos.


Em seu artigo, o principal foco do jornalista Gabriel Alves é quanto à conclusão da pesquisadora de que o recebimento do benefício do Bolsa Família diversificou, mas não melhorou a alimentação dos ribeirinhos. Resultado esse chamado pelo jornalista de ‘Efeito Mortadela’, em razão da introdução desse item na alimentação dos beneficiários. Entre os comentários publicados no site, muitos leitores foram rápidos em condenar o “assistencialismo” bancado pelo Governo Federal.


Assim, o tom do artigo é claramente negativo quanto aos efeitos do programa Bolsa Família, ainda que mencione a afirmação da bióloga quanto a ser difícil afirmar se os impactos do programa são bons ou ruins. Na conclusão, afirma-se também que não há interesse por parte dos pesquisadores brasileiros em pesquisar regiões afastadas, e que tampouco houve interesse por parte dos representantes dos governantes quanto aos resultados da pesquisa.


Apresentação da Pesquisadora Barbara Piperata

A professora Barbara Piperata é bióloga formada pela Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, onde obteve PhD em antropologia, e atualmente é professora na Universidade de Ohio. Seu principal campo de pesquisa é em energia reprodutiva, no estudo de práticas e estratégias pós-parto visando a conservação de energia para a lactação pela mãe e as condições de saúde do bebê.

Realizados nas comunidades ribeirinhas de Caxiuanã, no rio Anapu, em Portel, seus estudos comprovaram a situação de insegurança alimentar na população do interior do município e registraram detalhadamente os hábitos alimentares dos entrevistados. Os dados foram levantados em dois períodos. Primeiro em 2002, quando a bióloga morou durante dois anos no Caxiuanã, e avaliou 469 pessoas. O segundo em 2009, quando foram examinados 429 indivíduos.


Os dados foram publicados em 2011, em um artigo no American Journal of Physical Anthropology. Em novembro, Piperata apresentou os resultados de seu trabalho em evento do Centro de Pesquisa em Alimentos, na USP.

As conclusões da Pesquisa

Antes de fazer uma análise superficial e enviesada, é preciso refletir bastante sobre as constatações da pesquisadora norte-americana em Caxiuanã.

Entretanto, ao fazer aqui uma reflexão sobre a publicação da Folha de São Paulo, é preciso admitir, em primeiro lugar, que não tive acesso direto ao artigo da professora Piperata, o qual não está disponível gratuitamente ao público. Logo, não questiono o valor da pesquisa da autora, a qual se reveste da maior importância. Minhas conclusões se referem àquelas relatadas no artigo da Folha de São Paulo.


A principal conclusão do artigo do jornal é de que “a renda extra do Bolsa Família não melhorou os hábitos alimentares na região”. Os ribeirinhos agora conseguem ter acesso a produtos que eles antes apenas ocasionalmente podiam obter, tal como feijão e arroz, mas, por outro lado, aumentou o consumo de alimentos não saudáveis, tais como carnes enlatadas e biscoitos, ricos em gordura e sódio. Além desses produtos, aumentou o acesso a carne seca, mortadela e bens de consumo duráveis, tipo aparelhos de televisão e geradores elétricos.

Antes, os ribeirinhos dependiam essencialmente da pesca e caça, além da produção local de farinha de mandioca. Agora eles têm condições de comprar uma variedade maior de produtos no comércio da cidade mais próxima, através do auxílio do Bolsa Família.


A professora constatou também que, apesar de ter havido uma redução da ingestão energética total, houve ganho de peso por parte das mães. Uma possível explicação seria a diminuição da atividade física, em particular do trabalho na lavoura de mandioca. Antes da introdução do Bolsa Família na região, em 2005, 100% dos lares cultivavam mandioca. Em 2009, eram apenas 65%.

Essas mudanças geraram, segundo a professora, dois efeitos. Um é o “efeito mortadela”, ou seja, a introdução de alimentos industrializados na alimentação, tal como a mortadela. O outro é o “efeito fim do mês”, momento em que começa a escassear a quantidade de comida comprada na cidade no início do mês, quando o caboclo vai receber o benefício do Bolsa Família.


Professora Piperata apresenta resultados de sua pesquisa a comunidade do Caxiuanã. (Fonte: Universidade do Colorado)

Outros fatos observados pela professora parecem bastante evidentes, tal como a falta de atenção à saúde e à educação. Isso se revela, por exemplo, na baixa estatura média dos indivíduos e no baixo índice de massa muscular, resultantes da deficiência nutricional da população. Essa deficiência nutricional resulta, por sua vez, da própria falta de conhecimento da população quanto ao valor nutricional dos alimentos.


Reflexões sobre o Resultado da Pesquisa


Minha primeira reação foi de surpresa, quando li essa notícia da introdução da mortadela no cardápio de uma população interiorana de Portel. Desde as minhas mais remotas lembranças a mortadela é consumida pela população do interior. Da mesma forma que a carne em conserva, por não exigir de refrigeração, a mortadela é uma das fontes de proteína preferida pelo caboclo do interior, com a particularidade de que ele prefere comê-la frita, principalmente acompanhando o açaí.


No entanto, aqui é preciso fazer uma digressão sobre o atual ambiente político que vive país.


Para o leitor (e eleitor) das grandes cidades, ‘mortadela’ se tornou um nome pejorativo para chamar as pessoas que apoiam o Governo Federal, ou se beneficiam dos programas assistenciais do governo. Essa expressão parece ter origem na notícia de que, em agosto passado, o governo teria pagado lanche de pão com mortadela para quem fosse à manifestação em seu favor. Daí que a notícia da introdução da mortadela na alimentação dos beneficiários do Bolsa Família na Amazônia viesse perfeitamente a calhar para aqueles que ridicularizam os programas assistenciais do Governo Federal e aqueles que são beneficiados.


Todavia, intrigado quanto ao consumo de mortadela pelos caboclos do  Caxiuanã, resolvi tirar algumas dúvidas. Dias desses, como tinha em casa uma visita que é moradora do rio Anapu, resolvi perguntar a ela se o hábito de comer mortadela é novo para as comunidades do Caxiuanã.

Ela me veio com uma resposta ainda mais intrigante. Segundo ela, os moradores de Caxiuanã, sempre se confiaram na abundância de carne de caça, como fonte de proteína animal, por isso não comiam com frequência mortadela. Agora, a compra de mortadela na cidade seria um resultado do empobrecimento da fauna na região da Floresta de Caxiuanã. Assim, logo aquela que sempre foi uma das florestas mais ricas e intocadas de Portel, estaria vendo na atualidade o empobrecimento da sua população animal, sobretudo das espécies mais caçadas, tais como pacas, cutias, veados e tatus.

Outra conclusão que parece equivocada do estudo é afirmar que o empobrecimento da dieta do ribeirinho seria resultante do Bolsa Família, quando na realidade ela tem como causa a falta de conhecimento e os próprios costumes e crenças da população. Essa falta de conhecimento quanto ao valor nutricional dos alimentos é notória e se mostra na aversão do povo em comer frutas e verduras, que tem a população de Portel, que não vem de hoje.


A população nunca deu valor ao consumo de frutas e verduras. Mesmo na zona urbana de Portel, sempre foi abundante o número de árvores frutíferas, principalmente mangueiras, murucizeiros, goabeiras e ameixeiras. No entanto, a população não cultivavava o costume de tomar sucos de fruta natural, a não ser os sucos congelados, ou ‘chopes’ como chamados pela população. Em vez disso, era generalizado o consumo de sucos artificiais em pó, o Tang ou Ki-Suco, tão populares até os anos 1980, e fabricados por multinacionais norte-americanas.

Também no interior o cultivo de pomares e árvores frutíferas não era incentivado. Minha visita conta que quando propôs ao pai plantar goiabeiras, recebeu a seguinte resposta: “as frutas servem só pra atrair pipira (Cyanicterus cyanicterus)”.

Também o consumo de verduras e legumes sofria grande resistência por parte dos moradores. Lembro que quando pedia salada durante as refeições, um amigo sempre respondia “quem gosta de comer folha é jubuti e preguiça”.


Diferente era o comportamento quanto aos frutos das palmeiras, tais como açaí, bacaba e pupunha. Mas as frutas nunca foram vistas como boa fonte de alimento. Mesmo as mangas, tão abundantes na cidade, jamais foram colocadas no mesmo status que o açaí. Lembro que apesar de ter comido tanta manga em Portel, eu só vim a descobrir como era gostoso o suco de manga na casa de uma missionária alemã, que o servia durante as visitas. Da mesma forma procediam os americanos, que moravam na Amacol, e estavam o tempo todo dando às suas crianças mamadeiras com suco natural de frutas, fato esse que eu nunca vi por parte da população local. Apesar da abundância de frutas.


No entanto, o jornalista se mostra incapaz de saber analisar a natureza das mudanças constatadas pela pesquisadora norte-americana.


Essa incapacidade advém da flagrante falta de conhecimento do jornalista da Folha quanto aos hábitos dos moradores da Região Amazônica. Em particular um dado deixa clara essa ignorância. O texto afirma que os ribeirinhos viajam oito horas de Caxiuanã até a cidade mais próxima, que seria Breves. Mas se tivesse pelo menos buscado ver onde se localiza Caxiunã no mapa, teria visto que a cidade mais próxima é Portel, onde fica a sede do município, e não Breves.


Enfim, as transformações no modo de vida dos ribeirinhos no interior da Amazônia foram muitas nos últimos anos. Mas o jornalista se deteve num só, que ele chamou de ‘Efeito Mortadela’, expressão essa provavelmente não utilizada pela cientista em seu artigo, mas que serve ao autor para menosprezar os beneficiários dos programas do Governo Federal.


Esse raciocínio enviesado, próprio da imprensa conservadora, perde de vista algumas das transformações mais profundas pelas quais passa o ribeirinho no interior da Amazônia após a introdução do Bolsa Família.


Antes a vida do caboclo se regia pelos ditames da natureza, tal como a época de colheita do açaí, da mandioca ou a pesca do peixe. O ritmo de vida era ditado pela natureza. Mas hoje existe o “efeito começo do mês”, como diz a pesquisadora. Os ribeirinhos têm data todo início do mês para fazer viagem até a cidade mais próxima para comprar os mantimentos necessários e, a partir de então, regrá-los até o início do próximo mês. Ou seja, os caboclos assumem um ritmo de vida dos assalariados urbanos.


Existem outras transformações ainda mais profundas por que passam as comunidades no interior da Amazônia causadas pelo acesso aos programas do Governo Federal.


Desde o fim do Ciclo da Borracha, o caboclo amazônida viveu relativamente isolado do capitalismo mundial. Não produzindo nenhuma commodity de maior valor no mercado nacional ou internacional, ele se recolheu a um modo de extrativismo autônomo, em que a maior parte do que ele precisava para sobreviver vinha diretamente da natureza, cultivando apenas a mandioca, a qual, além do consumo próprio, servia como moeda de troca no escambo com os regatões.


Hoje o seu modo de vida está mudando. Até a ida à cidade não se dá mais de canoa a remo, mas sim em uma ‘rabeta’ movida a motor a óleo diesel. Seja no óleo diesel ou na fonte de proteína, os caboclos da Amazônia se encontram hoje cada vez mais dependentes do consumo de produtos fabricados pelas grandes empresas nacionais e multinacionais.


Desta forma, acontece assim a inserção do caboclo amazônida no capitalismo internacional (utilizando-se de uma expressão dos teóricos marxistas), pelo incentivo ao consumo. Ironicamente, aquele mesmo mercado que fecha suas portas aos seus produtos dos ribeirinhos, é o mesmo que aceita esses ribeirinhos apenas na condição de consumidores. Mas não na condição de produtores. O ribeirinho da Amazônia deve ser inserido no mercado capitalista apenas em condição passiva, ou seja, no papel de consumidor dos produtos dos grandes conglomerados industriais da Região Sudeste.


É esse o principal efeito do Bolsa Família na Amazônia.