terça-feira, 10 de junho de 2014

O AGRICULTOR SEU ELISEU E O TERCEIRO LADO DA HISTÓRIA


O seu Eliseu na horta em seu quintal.
Após a reconstrução do Mercado Municipal de Portel, a prefeitura teve todo um trabalho de remanejar os vendedores ambulantes para o novo espaço e de garantir o movimento de compradores. Mas os vendedores de verdura logo reclamaram da ‘concorrência desleal’ que sofreriam dos vendedores que vendiam as verduras diretamente nas residências. Havia, sobretudo, um vendedor de verduras em bicicleta, o seu Eliseu.

Inicialmente, foi oferecido ao seu Eliseu um talho no novo Mercado Municipal. Ele recusou a oferta. Ele ganhava bem mais vendendo diretamente na porta casa dos seus fiéis fregueses. Premido entre os vendedores de seu novo mercado, que pagavam a taxa de manutenção à prefeitura, e o vendedor em sua bicicleta cargueiro, o administrador municipal não teve dúvidas. Recorreu ao código de posturas do município, promulgado, segundo o seu Eliseu, ainda no primeiro mandato do prefeito Elquias, lá nos fins do Regime Militar, e proibiu o vendedor de realizar suas atividades. Consciente dos seus direitos, seu Eliseu se recusou a aceitar a ordenação. Foi à Câmara Municipal, depois foi ao fórum. Decidiu sozinho lutar contra a Prefeitura.

Pronto, a história do humilde vendedor em sua bicicleta que seria perseguido por um prefeito opressor se tornou um prato cheio nas mãos dos abutres eleitorais, que, sentados confortavelmente atrás dos seus computadores, cuidaram de tirar todo proveito da luta do pobre trabalhador.

Ouvi essa história e a referência ao nome do seu Eliseu no facebook quase que à exaustão nas mãos de diversos portelenses.

No entanto, há um velho ditado norte-americano que diz: “Toda história tem três lados – o meu, o seu e a verdade”. Como eu já conhecia o lado da prefeitura e já tinha ouvido a versão dos abutres, fui ouvir o lado da própria vítima. Então, lá fui eu atrás do seu Eliseu.

Primeiro procurei ao longo da rua 2 de fevereiro, mas, como já era final de tarde, ele já havia passado com sua bicicleta em direção à sua residência. Então peguei um moto-táxi e fui até lá procurá-lo.

Ao chegar, encontrei um senhor um tanto desconfiado, mas orgulhoso. Ele me contou sua história, que é a que agora eu relato. Ele se indignava com o fato de que muitos diziam apoiá-lo (entre os quais a maioria dos vereadores), mas, na hora, nunca lhe prestaram apoio de fato, nunca fizeram nada. Inclusive dos que lhe procuraram pessoalmente para lhe tirar foto em sua cargueira para mostrar na internet, mas depois não voltaram mais.

Esses são aqueles aos quais eu me refiro como os “abutres eleitorais”, que se aproveitam dos infortúnios dos moradores de Portel apenas para obter um ganho político, mas na verdade não estão interessados em ajudar verdadeiramente ninguém.

Depois de ganhar um pouco de sua confiança, pedi para olhar a propriedade.

Vendo de fora parece uma casa igual às outras. Uma construção de madeira simples, mas, nas frente, um pequeno jardim de flores vermelhas, pelo lado esquerdo os canteiros de verdura, atrás o plantio de frutas e do lado direito, a horta de legumes, logo atrás uma criação de galinhas e patos. Enquanto seu filho trabalhava no reparo da cerca, seu casal de netos brincava entre as flores no jardim.
O casal de netos do seu Eliseu.
Vendo essa cena bucólica, ali eu revivi a memória de todos aqueles bem cuidados sítios da minha infância, que antes margeavam toda a estrada de Portel até o quilômetro dez. E que hoje desapareceram e deram lugar ao mato e ao abandono.

Orgulhoso, ele ia mostrando tudo na sua plantação ao mesmo tempo em que, de vez em quando, ponteava a conversa com um “isso aqui fui eu mesmo quem fez”. Seu Eliseu era um produtor, um lutador antigo da agricultura desde os tempos da velha estrada. Ele contava a sua experiência, falava das dificuldades que havia enfrentado no passado, da falta de transporte para os plantadores, e se indignava com os obstáculos colocados contra ele na atualidade.

Essa é uma situação que não é simples de se resolver. Tendo que escolher entre os vendedores do novo mercado e um vendedor ambulante, a solução encontrada pela Prefeitura foi restringir a área de venda do seu Eliseu para um perímetro fora do centro da cidade. Solução essa que não agradou ao velho vendedor, que perdeu boa parte de sua clientela.

O erro da prefeitura, penso eu, foi não ver que ali não estava só um atravessador, mas alguém que plantava o que vendia. Alguém que poderia ser um exemplo para muitos outros. Ali estava um produtor, que, sobretudo nessa época de Bolsa Família, se orgulhava de tirar da terra o sustento da própria família.

Pelo outro lado, existe muita gente que mascara o objetivo de se promover a si próprio por trás da máscara da hipocrisia de querer ajudar os outros.

(Esta versão dos fatos me foi contada pelo próprio seu Eliseu, com o relato também dos vendedores do mercado, em nenhum momento eu toquei no assunto com o pessoal da Prefeitura, até porque a Secretaria do Desenvolvimento já emitiu nota a respeito)