sábado, 22 de novembro de 2014

FÉRIAS DE JULHO EM PORTEL E GERAÇÃO DE EMPREGO




No último mês de junho em Portel, em meio a uma crise financeira e alegações de corte nos repasses da Prefeitura, o prefeito Paulo Ferreira demitiu dezenas, senão centenas de empregados temporários da Prefeitura.
Com uma programação de férias de julho planejada e divulgada, logo vieram as acusações de como podia a Prefeitura de Portel fazer festa em meio a demissão de tantos pais de família, “por que não mantinha o prefeito os prestadores de serviço no emprego e, assim, sacrificava as férias de julho, em vez de ficar fazendo festa?” diziam os discordantes.
Muito bem, eu discordava dessa ideia. Para mim, a programação das férias de julho deveriam ser mantidas. Ainda que alguns perdessem os empregos na Prefeitura, pior seria sacrificar o emprego de muitos outros. Mas, como não tinha dados para sustentar essa minha opinião, e para não ser pego entre a oposição debochadora e os aliados do prefeito, preferi me calar.
Até que, em agosto passado, pesquisando sobre estatísticas de emprego, me deparei com os dados do CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) do Ministério do Trabalho por município. Esses números revelam as contratações e demissões de empregos de carteira assinada e estão disponíveis para quem quiser pesquisar.
Pois bem, em julho de 2014 foram contratados em Portel 144 empregos de carteira assinada. Esse foi o melhor mês desde 2007, quando os dados começaram a ser difundidos Descontando 18 demissões, mesmo assim a variação positiva em 128 empregos é a melhor dos últimos sete anos.
Isso pra mim prova aquilo que eu havia dito sobre os empregos gerados nas férias de julho em Portel. A chegada de milhares de visitantes na cidade traz milhões em divisas escassas ao município. Esse dinheiro movimenta o comércio, os hotéis e pousadas, os restaurantes e o comércio informal de rua. E as pessoas vêm porque eles sabem que há uma programação e há o que fazer na cidade.
Neste ano de 2014, assim como no ano anterior, Portel foi um dos poucos municípios do Pará a ter uma programação anunciada com mais de um mês antes das férias. Essa divulgação, aliada ao fato que o prefeito Xarão, por algum motivo, parece que deixou de investir em férias de julho em Breves, ajudou a trazer milhares de veranistas e a gerar empregos em Portel, sem falar no mercado informal, dos vendedores ambulantes, que são em maior número.
Mas os dados do CAGED também fornecem indicações reveladoras sobre a economia em Portel. Até 2007, a cidade possuía um saldo positivo de mais de 100 empregos gerados no ano para os trabalhadores locais. Mas, em 2008, algum desastre aconteceu que resultou na perda líquida de mais de 194 postos de trabalho de carteira assinada no município. E qual foi o desastre?
Só pode ter sido um. Em maio de 2008 a Amacol foi violentamente invadida, e junto com a destruição das casas foram destruídos também postos de emprego. A serraria em si já havia parado, mas a invasão e os seus resultados destruíram inúmeros outros empregos. Portel nunca mais foi a mesma.
Desde 2007, tirando um diminuto saldo positivo de 15 empregos formais em 2009, Portel só perde empregos de carteira assinada. Para se ter uma ideia, de 2008 a 2013, foram eliminados em Portel quase 500 postos de trabalho formais em Portel. Esses são saldos líquidos. Isso deixa claro que desde a invasão da Amacol Portel só tem regredido. E quando juntamos a isso o fato de Portel tem uma população jovem e que a cada ano cerca de 1.000 jovens completam 18 anos e entram no mercado de trabalho, a tragédia fica completa. A maioria não tem outra opção senão entrar no mercado informal, mudar para outro município ou ficar sem fazer nada.
Forneço abaixo os números completos para se ter uma ideia (os números em parênteses são os números negativos):
2007 – 103
2008 – (194)
2009 – 15
2010 – (6)
2011 – (73)
2012 – (141)
2013 – (93)
2014 – 133
Todo ano o mês de julho é o mês de melhor emprego em Portel. Depois os trabalhadores vão sendo demitidos até que no final do ano o saldo é negativo. Neste ano de 2014, depois de julho, o saldo positivo tem continuado até outubro, quando houve uma perda líquida de seis postos de trabalho. Mas no ano o saldo deve ser positivo. Tomara que Portel agora esteja tomando o rumo certo.
É com essa preocupação com empregos para os jovens que eu defendo que as férias de julho se tornaram uma das mais importantes fontes de emprego na cidade. O prefeito não deveria ficar se preocupando com críticas daqueles que torcem para o ‘quanto pior melhor’. A programação das férias em si pode, e deve, ser discutida. Eu, pelo meu lado, acho que deveria haver mais espaço para as crianças, e atrações para os evangélicos também. Sem dúvida as comemorações da Assembléia de Deus em julho contribuíram muito para o número de visitantes no município.
Minha preocupação é que venha depois um novo prefeito, que diga que não quer investir em ‘festa’ e acabe com a fonte de empregos de centenas de trabalhadores. As férias de julho são uma conquista do povo e fazem parte da identidade de Portel. Na verdade o prefeito já deveria estar se preocupando com a programação de Natal e Ano Novo, e em pensar no ano seguinte. Tudo exige preparo antecipado.
Faço aqui a defesa de políticas em Portel que gerem emprego, até porque parece que nos últimos meses o prefeito se dedicou às articulações políticas e deixou de lado o incentivo à geração de renda.
Não vou deixar de cobrar melhorias para o meu município. Isso sempre de forma clara e com equilíbrio. Ainda que isso me desincompatilibilize com alguns indivíduos. Não estou na lista de pagamentos deles.

terça-feira, 10 de junho de 2014

O AGRICULTOR SEU ELISEU E O TERCEIRO LADO DA HISTÓRIA


O seu Eliseu na horta em seu quintal.
Após a reconstrução do Mercado Municipal de Portel, a prefeitura teve todo um trabalho de remanejar os vendedores ambulantes para o novo espaço e de garantir o movimento de compradores. Mas os vendedores de verdura logo reclamaram da ‘concorrência desleal’ que sofreriam dos vendedores que vendiam as verduras diretamente nas residências. Havia, sobretudo, um vendedor de verduras em bicicleta, o seu Eliseu.

Inicialmente, foi oferecido ao seu Eliseu um talho no novo Mercado Municipal. Ele recusou a oferta. Ele ganhava bem mais vendendo diretamente na porta casa dos seus fiéis fregueses. Premido entre os vendedores de seu novo mercado, que pagavam a taxa de manutenção à prefeitura, e o vendedor em sua bicicleta cargueiro, o administrador municipal não teve dúvidas. Recorreu ao código de posturas do município, promulgado, segundo o seu Eliseu, ainda no primeiro mandato do prefeito Elquias, lá nos fins do Regime Militar, e proibiu o vendedor de realizar suas atividades. Consciente dos seus direitos, seu Eliseu se recusou a aceitar a ordenação. Foi à Câmara Municipal, depois foi ao fórum. Decidiu sozinho lutar contra a Prefeitura.

Pronto, a história do humilde vendedor em sua bicicleta que seria perseguido por um prefeito opressor se tornou um prato cheio nas mãos dos abutres eleitorais, que, sentados confortavelmente atrás dos seus computadores, cuidaram de tirar todo proveito da luta do pobre trabalhador.

Ouvi essa história e a referência ao nome do seu Eliseu no facebook quase que à exaustão nas mãos de diversos portelenses.

No entanto, há um velho ditado norte-americano que diz: “Toda história tem três lados – o meu, o seu e a verdade”. Como eu já conhecia o lado da prefeitura e já tinha ouvido a versão dos abutres, fui ouvir o lado da própria vítima. Então, lá fui eu atrás do seu Eliseu.

Primeiro procurei ao longo da rua 2 de fevereiro, mas, como já era final de tarde, ele já havia passado com sua bicicleta em direção à sua residência. Então peguei um moto-táxi e fui até lá procurá-lo.

Ao chegar, encontrei um senhor um tanto desconfiado, mas orgulhoso. Ele me contou sua história, que é a que agora eu relato. Ele se indignava com o fato de que muitos diziam apoiá-lo (entre os quais a maioria dos vereadores), mas, na hora, nunca lhe prestaram apoio de fato, nunca fizeram nada. Inclusive dos que lhe procuraram pessoalmente para lhe tirar foto em sua cargueira para mostrar na internet, mas depois não voltaram mais.

Esses são aqueles aos quais eu me refiro como os “abutres eleitorais”, que se aproveitam dos infortúnios dos moradores de Portel apenas para obter um ganho político, mas na verdade não estão interessados em ajudar verdadeiramente ninguém.

Depois de ganhar um pouco de sua confiança, pedi para olhar a propriedade.

Vendo de fora parece uma casa igual às outras. Uma construção de madeira simples, mas, nas frente, um pequeno jardim de flores vermelhas, pelo lado esquerdo os canteiros de verdura, atrás o plantio de frutas e do lado direito, a horta de legumes, logo atrás uma criação de galinhas e patos. Enquanto seu filho trabalhava no reparo da cerca, seu casal de netos brincava entre as flores no jardim.
O casal de netos do seu Eliseu.
Vendo essa cena bucólica, ali eu revivi a memória de todos aqueles bem cuidados sítios da minha infância, que antes margeavam toda a estrada de Portel até o quilômetro dez. E que hoje desapareceram e deram lugar ao mato e ao abandono.

Orgulhoso, ele ia mostrando tudo na sua plantação ao mesmo tempo em que, de vez em quando, ponteava a conversa com um “isso aqui fui eu mesmo quem fez”. Seu Eliseu era um produtor, um lutador antigo da agricultura desde os tempos da velha estrada. Ele contava a sua experiência, falava das dificuldades que havia enfrentado no passado, da falta de transporte para os plantadores, e se indignava com os obstáculos colocados contra ele na atualidade.

Essa é uma situação que não é simples de se resolver. Tendo que escolher entre os vendedores do novo mercado e um vendedor ambulante, a solução encontrada pela Prefeitura foi restringir a área de venda do seu Eliseu para um perímetro fora do centro da cidade. Solução essa que não agradou ao velho vendedor, que perdeu boa parte de sua clientela.

O erro da prefeitura, penso eu, foi não ver que ali não estava só um atravessador, mas alguém que plantava o que vendia. Alguém que poderia ser um exemplo para muitos outros. Ali estava um produtor, que, sobretudo nessa época de Bolsa Família, se orgulhava de tirar da terra o sustento da própria família.

Pelo outro lado, existe muita gente que mascara o objetivo de se promover a si próprio por trás da máscara da hipocrisia de querer ajudar os outros.

(Esta versão dos fatos me foi contada pelo próprio seu Eliseu, com o relato também dos vendedores do mercado, em nenhum momento eu toquei no assunto com o pessoal da Prefeitura, até porque a Secretaria do Desenvolvimento já emitiu nota a respeito)

sábado, 24 de maio de 2014

COMPANHIA AMACOL: MITOS E ILUSÕES DA POPULAÇÃO DE PORTEL

Visão aérea da fábrica de compensados da Amacol.

Já há mais de dez anos se fechou a fábrica de compensados da Amacol, mas seus mitos e ilusões ainda sobrevivem na cabeça dos portelenses, mesmo dos mais novos.
Não é exagero dizer que a cidade atual de Portel nasceu com a fundação da companhia pelos americanos. Antes, a população de Portel era meio que dispersa nos rios, nos “altos”, ou “centros”, como eles chamavam. Meu pai e minha mãe nasceram nesses interiores, no “alto” dos rios Pacajá e Camarapi. A sede do município em si era muito pouco povoada. Servia bem mais como entreposto comercial da produção que vinha do interior, rumo a Belém.
Tudo mudou no final da década de 1950, quando chegaram os norte-americanos e começaram a erguer ali, na foz dos rios Pacajá e Camarapi, aquela que seria uma das maiores indústrias do interior do Pará até então, a Companhia Amazonas Compensados e Laminados Ltda, depois chamada de Amazônia Compensados e Laminados, Amacol.
Os norte-americanos importaram todo o maquinário dos Estados Unidos, enormes tornos e caldeiras, para produzir e exportar da Amazônia o laminado e o compensado para as indústrias dos Estados Unidos. Como não havia população suficiente na cidade, chamaram trabalhadores de todas as redondezas. E ali, junto à fábrica formou-se a cidade atual de Portel.
Depois vieram os norte-americanos mesmos e construíram uma vila de casas reproduzindo uma cidadezinha dos Estados Unidos. Havia ao todo cerca de dez casas, todas bem amplas e cercadas por gramados, sendo uma casa de hóspedes, a “casa 6”, completa com um amplo salão de refeições e biblioteca com livros de todos os tipos. Embaixo havia um bar com salão de jogos, e logo ao lado havia uma grande piscina, para o lazer dos moradores americanos.
A vila de casas dos altos funcionários norte-americanos era chamada pelos brasileiros simplesmente de “as casas” da Amacol. Bem depois eu descobriria que os americanos as chamavam de “compound”, palavra em inglês que significa recinto, ou “cercado”. Era mais apropriado para descrever como eles viviam ali mesmo. Pois, quando você atravessava o campo de aviação que separava a Amacol do restante da cidade, havia uma distância abissal entre as duas realidades daqueles norte-americanos e da população de Portel. Era como se entrasse em um outro mundo.
Apesar disso, a relação entre americanos e portelenses sempre foi, na maior parte do tempo, muito amistosa. Lembro que o meu tio Wilson me levava, ainda muito criança, para passar um domingo na piscina da Amacol, convidado pelos americanos. Entre eles havia o anfitrião, chamado Henk, um ruivo, meio gorducho e bonachão, que divertia os brasileiros imitando peixinho e fazendo caretas. Acho que, como ele não sabia falar português, procurava se comunicar com gestos e caretas. Eu via a dificuldade enorme que ele tinha pra falar com os brasileiros, e foi aí que eu decidi aprender inglês. Ele depois casou com uma brasileira, a irmã do Patarrão, com quem foi morar com ele nos Estados Unidos. Esse americano depois, infelizmente, teria morte trágica ao saltar de uma cachoeira (minha convivência com os americanos foram uma verdadeira lição de vida, talvez um dia aqui eu conte alguns detalhes).
E assim, a população de Portel se acostumou a viver com aqueles americanos de comportamento excêntrico, que buscavam superar o tédio de viver em uma cidade pequena no interior da Amazônia, ora fazendo acrobacias aéreas com um avião sobre a cidade, descendo em parafuso e fazendo rasantes sobre a praia do Areião, ora praticando esqui aquático no rio Pacajá (hábito que depois os portelenses endinheirados começariam a imitar). Havia ainda a Katy passeando manhosamente de cavalo todo final pela orla da cidade. Foram muitos deles que moraram em Portel.
Nessa época a luz elétrica não funcionava a noite toda. Ela se apagava às oito da noite. Depois às onze. Mas só na Amacol a luz funcionava 24 horas por dia, sete dias por semana. Dizia-se mesmo que a Amacol havia negociado fornecer energia para toda a cidade, em troca da isenção de impostos, mas o governo brasileiro recusou a proposta. Como resultado, a cidade permaneceu no escuro.
E assim, enquanto ia dormir à luz das lamparinas, a população olhava a Amacol iluminada, e sonhava o dia em que poderia tomar conta de tudo aquilo. ”Mas se pelo menos os brasileiros pudessem tomar conta da Amacol...”, diziam.
Para o povo, a riqueza era a Amacol, e a Amacol era a fábrica, eram aquelas máquinas. E a população acreditava que poderia viver eternamente dos empregos da Amacol. A cidade nunca se preparou para o dia em que ela fechasse as portas. Qualquer outro tipo de produção se tornava insignificante perto da potência econômica da multinacional, de seus empregos, daquela tecnologia.
Segundo um amigo na época me contou, em tom meio de anedota misturada com orgulho, nem mesmo os engenheiros norte-americanos eram capazes de consertar aquelas máquinas da Amacol, só os portelenses. Certa vez veio dos Estados Unidos um engenheiro jovem e cabeludo que, ao chegar à fábrica, olhou a máquina, viu o defeito, postou-se em pé e abriu seu manual. Leu, leu e não conseguiu descobrir o conserto. Até que finalmente ele admitiu “chama o mecânico!”. E lá se foram chamar em casa o mecânico, provavelmente o velho Pamplona. E então, concluiu meu amigo: “Tá vendo? Nossos mecânicos sabem mais que os engenheiros americanos!”.
Essa anedota encerra um tanto de verdade, de ser provável mesmo que nossos mecânicos conheciam mais daquelas máquinas que o jovem engenheiro. Porém o que ela não revela, é que para um jovem engenheiro formado nos Estados Unidos na década de 1980, as velhas máquinas da Amacol importadas no final da década de 1950 deviam parecer peças de museu. Na verdade todo o equipamento da Amacol, que a população tanto avaliava, era maquinário obsoleto. Mas continuavam aqueles sonhos de riqueza no maquinário da Companhia.
Noutra ocasião, lembro, um portelense que havia trabalhado no navio que transportava os compensados para os Estados Unidos, e que por isso se julgava conhecedor da realidade da empresa. Durante uma conversa, à beira do campo do Amazonas, sentenciou: “Com uma caixa de compensados, eles (os americanos) pagam os salários de todos os trabalhadores brasileiros!”. Imagina então o que poderia fazer com o dinheiro das centenas, ou milhares, de caixas exportadas?
Apesar disso, o clima entre brasileiros e americanos continuava de muita amizade. O gerente então era o Jack Phelps, um senhor muito simpático, cujas filhas Polly, Abigail e Mary passaram várias férias de verão em Portel e fizeram muitos amigos (e namorados) entre os jovens locais.
Mas tudo isso havia mudado drasticamente quando eu voltei para lá, em 1987. Foi logo depois de ter ocorrido a grande greve.
Como todo movimento, as reivindicações da greve começaram de modo simples. Parece que os vigias pediam, inicialmente, nada mais que sanitários, para fazer suas necessidades. Mas nessa época o gerente já era outro, Scott Jackson. Ele era a pessoa errada, na hora errada. Não poderia haver um momento pior para ter um gerente como ele chegado à Amacol. A recusa e a ignorância do gerente norte-americano foram o estopim da revolta.
Operários da Amacol durante a grande greve de 1985.

Foi Scott Jackson que, praticamente, a exemplo do que os ingleses faziam em suas colônias, só faltou colocar uma placa na entrada das casas dizendo: “BRASILEIROS NÃO SÃO PERMITIDOS”. A placa pode não ter sido colocada, mas a ordem havia sido dada na guarita, só podiam entrar nas casas os brasileiros que estivessem a serviço. As visitas foram proibidas, namoros entre americanos e brasileiros não eram mais tolerados. Qualquer desobediência por parte dos americanos mesmos significava demissão.
Para piorar, aquele era ano de fim da ditadura militar, de redemocratização, de tomada de poder pelo povo. E entre reivindicações legítimas, de melhores condições de trabalho e de salário, e de sonhos de assumir o comando da empresa, a greve escalou para o rumo da radicalização, indo do fechamento e “lock-out” da fábrica, chegando até o cárcere privado dos norte-americanos nas casas e ameaças de agressão física, em meio às tentativas desesperadas de fuga dos gringos pela pista de avião. As relações entre brasileiros e americanos nunca foram a mesma desde então.
Já na época, retornado a Portel em 1987, eu ouvia falar do gerente cujas histórias de discriminação aos trabalhadores inflamaram a revolta dos brasileiros, o Scott Jackson, mas não o conhecia pessoalmente. Certa vez, estava eu na Amacol, debaixo da casa 7, quando chegou de bicicleta um rapaz norte-americano, alto, magro e simpático, que passou e me cumprimentou. Eu perguntei: “Quem é esse?”. E me responderam: “Esse é o Scott Jackson”. Fiquei com a impressão de que o diabo pode se apresentar de muitas formas, nem sempre como a gente imagina. Vinte anos depois ele teria um fim trágico, quando caiu o avião em que estava, na Malásia, matando também as suas duas filhas, entre as quais a Stephanie, que morou em Portel junto com os pais.
Qualquer que tenha sido o efeito da administração do Scott Jackson, sei que ela acabou repercutindo mal nos Estados Unidos. Tanto que a direção da Georgia Pacific decidiu colocar em seu lugar um gerente mais afável e experiente. Assim, Bruce Larson chegou a Portel com a missão de recuperar as relações com os brasileiros. Tanto que logo que, logo após sua chegada, organizou um verdadeiro banquete de apresentação, e convidou prefeito e autoridades do município, para celebrar junto com a alta administração da Amacol.
Conheci o gerente Bruce Larson ainda de sua primeira visita a Portel. Era uma pessoa muito simpática e de bom coração. Segundo ele me disse, o plano da Georgia Pacific era fechar simplesmente a Amacol, pois a qualidade do compensado exportado pela Amacol era muito baixa, e os custos não justificavam a sua manutenção. Porém, depois de conhecer a fábrica, Bruce viu que o problema estava no maquinário antigo, e não na qualidade da matéria prima. Assim, ele assumiu a responsabilidade de manter em funcionamento a fábrica, e a Georgia Pacific teria vendido a Amacol para ele, a um preço simbólico.
Contudo, anos depois, conversando com Bill McKinley, um engenheiro florestal norte-americano que vinha regularmente ao Pará comprar madeira, e que conhecia tanto a Amacol como o Bruce Larson, pois os dois vinham do mesmo estado, do Oregon, Bruce nunca foi dono da Amacol. A Georgia Pacific teria negociado a Amacol com uma fábrica da Malásia, o Bruce seria apenas o administrador.
Bruce Larson tinha uma preocupação não só com a Amacol, mas também com os rumos do município. Foi ali, na casa dele, que tive uma verdadeira lição sobre os rumos de Portel, uma lição que continua válida até hoje, mais do que nunca.
Lembro de uma vez durante um almoço, quando ele estava particularmente nervoso. A prefeitura, sem lhe comunicar, havia derrubado a cerca da Amacol para realizar obras na estrada, que passava ao lado. Eu falava então sobre o desenvolvimento do município, e etc e tal, quando ele, exaltado, se levantou e, naquele linguajar típico dos americanos, falou: “Se quiser desenvolver Portel, o prefeito tem que botar o traseiro no avião e ir atrás de recursos fora do município, fora do país, porque aqui dentro de Portel mesmo não há dinheiro suficiente para desenvolver o município!”.
Bruce Larson, gerente da Amacol.

Na hora, um pouco contrariado com aquela exaltação, eu calei, embora eu não concordasse exatamente com a resposta dele. Porém, depois, pensando melhor, eu fui dar razão ao Bruce e vi que esse é um conselho que vale para o prefeito até hoje. Se quiser desenvolver Portel, o prefeito tem que buscar recursos de fora, pois, tirando o que a Prefeitura tem que investir em educação, saúde, saneamento e pagamento da folha, sobra quase nada para investimentos de peso para gerar empregos no município.
Bruce Larson tentou modernizar a Amacol, a população de Portel ficou devendo a ele vários anos de sobrevida da velha fábrica, mas ele não conseguiu dar novos rumos à Companhia. Imagino a frustração com que ele deve ter partido sem realizar seus sonhos. Ele foi provavelmente o último gerente norte-americano a morar diretamente na Amacol. Depois todos os altos empregados passaram a ser brasileiros.
Independente de quem era o proprietário legal da empresa, contou Bill McKinley, seria difícil manter as operações da Amacol. No mercado internacional, os preços do compensado caíam continuamente, reduzindo cada vez mais o interesse da Georgia Pacific na empresa. Outro fator decisivo foi a implantação do Plano Real em 1994 e a desvalorização do dólar. A Amacol certamente recebia parcela significativa de receita cambial, advinda da diferença entre o preço entre a moeda brasileira e a moeda norte-americana. Com a desvalorização, ela passou a receber bem menos em real por cada caixa de compensado vendida nos Estados Unidos.
De fato, ao longo de toda a década de 1980, o preço do compensado permaneceu baixo, mas a alta cotação do dólar garantia a receita cambial. No entanto, no ano de 1992, os preços internacionais do compensado deram um salto, pulando de US$ 350 para US$ 751 a caixa, mas já no ano seguinte o preço caia para US$ 564, até voltar novamente para o patamar de US$ 300.
Raciocinando como o pessoal de Portel, calculando o número de trabalhadores pagos com a exportação de uma única caixa de compensados, é possível ter uma ideia das agruras da companhia. Em março de 1988, com a exportação de uma caixa de compensados, a Amacol pagava os salários de 6,73 trabalhadores. Em 1992, após a alta no preço do compensado no mercado internacional, a mesma caixa pagava 9,14 trabalhadores. Mas em 1998, após o Plano Real e a queda na cotação do dólar, a exportação de uma caixa de compensados pagava apenas 3,03 trabalhadores (a informação do preço do compensado do Banco Mundial, salário e cotação do dólar são do Ministério da Fazenda). Em outras palavras, a velha fábrica estava com o seu destino fadado.
Mas havia dificuldades ainda maiores que o simples preço do compensado no mercado internacional. Em meados da década de 1990, o compensado começou a sofrer a concorrência de um produto mais barato, o MDF importado da China. Nos Estados Unidos mesmo, a indústria madeireira encolheu. No Oregon, estado de onde vinha a maioria dos americanos da Amacol, o número de trabalhadores empregados na indústria madeireira caiu para menos da metade, de 70 mil para 25 mil, de 1990 até hoje.
No início do ano 2000, já, não fazia mais sentido manter em funcionamento a velha fábrica de quase de 50 anos. Assim os tornos e as máquinas, que a população antes acreditava ser sua maior riqueza, pararam de vez, o apito que chamava os trabalhadores para os turnos silenciou, e “as casas” já não tinham mais nenhum americano.
Antigamente a população dizia que quando a Amacol fechasse, a cidade acabava.
A cidade não acabou. Nesse momento já havia várias outras serrarias no município, e a direção da Amacol fez o que podia ser feito, orientou a produção para a exportação de madeira serrada. A empresa então já não era nem a sombra do que fora antes, mas ela ainda valia uma fortuna, em terras e madeira.
Nesse momento então, a população de Portel viu ruir mais uma ilusão, aquela de que, se o controle da empresa estivesse nas mãos de brasileiros, a cidade se beneficiaria bem mais com os lucros gerados pelos trabalhadores e pela riqueza da região. Na realidade o fato de os seus responsáveis serem estrangeiros como que protegia a Amacol contra os interesses locais, ela funcionava quase que como um enclave. Mas no momento que brasileiros administravam a companhia, esse poder começou a ser alvejado de vários lados, e a Amacol não estava mais protegida contra interesses.
A fábrica de compensados da Amacol fechou em razão da conjuntura internacional, mas a serraria poderia ter funcionado por muito tempo, mesmo que não empregando mais tantos trabalhadores.
Mas nada justificava o que aconteceu em maio de 2008, quando uma turba de mais de duas mil pessoas, incitadas por aproveitadores políticos, invadiram o terreno, saquearam e queimaram as casas, não poupando nem mesmo o consultório do médico. Em meio ao caos, saques, confusão e até mortes, em meio à destruição daquele que a população uma vez acreditava ser o seu maior patrimônio.
Antiga guarita da fábrica sendo depredada por invasores.

E assim, em poucos dias, onde havia opulência e riqueza, nasceu um bolsão de pobreza, a favela da Portelinha.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

MAIS DA METADE DA POPULAÇÃO DE PORTEL É DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

(Fonte: IBGE, 2010)

Os leitores que lembram das aulas de geografia conhecem a pirâmide etária. Aquela em países desenvolvidos é quase quadrada, mostrando o equilíbrio entre população de idosos e de jovens, e a pirâmide de países pobres e subdesenvolvidos, achatada na base, com predominância de crianças e jovens. Pois é, essa é a pirâmide etária de Portel, município onde mais de 28.000 dos seus 52.172 habitantes tem até 19 anos, segundo dados do censo de 2010 do IBGE.
Até eu fiquei surpreso com esses números. Existem menos de 1.000 pessoas em Portel com mais de 70 anos. Já o número de crianças é gritante. São cerca de 15.000 habitantes com menos de 10 anos de idade. Isso representa um desafio enorme para o prefeito e para toda a sociedade.
Segundo os números, mais de 5.000 crianças com menos de 6 anos de idade nunca conheceu escola ou creche. Das que estão em idade escolar, entre 7 e 14 anos de idade, 1.094 estão fora da escola. Isso é 16% da população.
Existem outro números interessantes. Apesar de 92% das crianças entre 11 e 14 anos estarem frequentando a escola, quando sobe para 15 e 17 anos, esse percentual cai para 74 %. Deste modo, o número de adolescentes entre 15 e 17 frequentando o ensino médio é de apenas 11%, o que indica que, muito provavelmente, na idade em que deveriam estar cursando o ensino médio, muitos estudantes simplesmente abandonam a escola, voltando depois para tentar retomar os estudos.
Para se ter uma ideia da questão social, a cada ano mais de 1.000 jovens entram na idade para entrar no mercado de trabalho, em uma cidade que simplesmente não oferece empregos suficientes para essa população.
Dado o tamanho do desafio, era de se esperar uma atuação melhor do prefeito Paulo Ferreira. Mas a educação parece ser seu calcanhar de Aquiles. Basta ver o descaso denunciado pelas professoras do PNAIC. Até agora sem que a secretaria ou Prefeitura sequer se manifestassem.
O problema é que sem educação prefeito nenhum pode comemorar vitória política. E esses mais de 1.000 adolescentes que estão fora da escola, mais os 1.000 que entram na idade de trabalho todo ano, vão cobrar futuramente a sua vingança.