quarta-feira, 8 de julho de 2015

POR QUE O FUTURO DO MUNICÍPIO DE PORTEL IMPORTA, UM BREVE RESUMO HISTÓRICO


Antigo porto de Portel, no final da década de 1950.
Portel é apenas um dos 450 municípios compreendidos na Região Norte do Brasil, que cobre a maior parte da Floresta Amazônica brasileira. Neste momento você deve estar se perguntando: e o que o município de Portel tem de especial?

Bem, há várias respostas para essa pergunta.

Aqui eu vou relatar resumidamente sobre a história de Portel.

A história do município de Portel tem suas origens em meados do século XVII no movimento da Contra Reforma, quando a Companhia de Jesus criou no local um aldeamento de índios Nheengaíbas vindos da Ilha do Marajó. O eminente jesuíta português Antônio Vieira foi quem fundou a aldeia, então chamada de Arucará pelos padres da Companhia de Jesus.

Após a expulsão dos jesuítas em 1759, promovida pela política do “despotismo esclarecido” do marquês de Pombal, a aldeia do Arucará foi promovida a vila e recebeu o nome de uma cidade portuguesa, Portel. Semelhante ao que ocorreu nas demais cidades amazônicas após a grande expulsão jesuíta, Portel entrou em longo ciclo de decadência, chegando a vila a ser extinta em 1833, quando foi incorporada ao município vizinho de Melgaço durante dois anos.

O ressurgimento econômico da vila só viria no final do século XIX, durante o ciclo da borracha, período no qual diversas famílias oriundas do Nordeste do Brasil migraram para o município, fixando-se no interior para trabalhar no extrativismo da seringa, cera de maçaranduba, castanha-do-pará, entre outros produtos além da agricultura de subsistência.

No pós-guerra, a madeira foi o produto que garantiu a inserção do município no capitalismo mundial. Assim, a grande arrancada de crescimento do município se deu com a instalação de uma fábrica de compensados no final dos anos 1950 por um empresário norte-americano. A fábrica se chamava Companhia Amazonas e sua construção atraiu para o local muitos trabalhadores de outras localidades, e até de outros países. No final da década de 1960, a companhia foi vendida para a transnacional norte-americana Georgia Pacific e seu nome mudou para Amacol.

Além da Amacol, várias serrarias de grande porte, tal como a japonesa Eidai, também estavam localizadas no município de Portel. Foi então o apogeu do ciclo madeireiro, no início dos anos 1980. Nessa época, a cidade era uma das poucas cidades amazônicas cuja força de trabalho era composta principalmente por um operariado urbano.

No entanto, no final dos anos 1990, houve a decadência do ciclo da madeira, a fábrica de compensados da Amacol fechou as portas e as propriedades da empresa foram vendidas pela Georgia Pacific para um grupo da Malásia, permanecendo em funcionamento no local apenas uma serraria.

O fim definitivo do ciclo madeireiro veio em 2008, quando a área do que sobrou da madeireira Amacol foi invadida e depredada. Houve então um grande êxodo populacional de Portel para outros municípios, principalmente para Macapá, capital do estado vizinho do Amapá. Hoje em dia, pouquíssimas serrarias ainda estão localizadas no município, o padrão de vida da população decaiu e a pobreza aumentou consideravelmente. Desta forma, a cidade também vivencia o fenômeno mundial da desindustrialização, à medida que seus moradores passaram a depender cada vez mais de empregos públicos e transferências do Governo Federal.

Atualmente, o povo de Portel luta para reencontrar uma nova vocação na agricultura, e sonha em escapar do seu isolamento, esperando ver finalmente a construção da estrada, que conectaria a cidade por via rodoviária com o restante do país.

Nesse sentido, o destino de Portel pode trazer muitas lições para inúmeras cidades na Amazônia, que também passam pelo mesmo ciclo. E essa nova vocação econômica, o caminho que o povo de Portel escolher, será determinante para o futuro da Floresta Amazônica.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

CRISE ECONÔMICA PODE INTERROMPER RECUPERAÇÃO DO EMPREGO EM PORTEL




Em 2014 pela primeira vez desde 2010 Portel teve saldo positivo de empregos criados. Mas a crise econômica nacional chegou ao município e ameaça brecar essa recuperação.

Em 2014, segundo dados do CAGED, houve um saldo positivo de 39 empregos criados, enquanto em 2009 havia sido de apenas 15. Depois, passaram-se quatro anos com perdas líquidas de empregos, num total de 313 postos de trabalho a menos no município.

Esse resultado positivo se deveu a um terceiro trimestre excepcional em 2014. Só no mês de julho houve criação de 146 novos postos de trabalho. Mas no início do ano, período em que o comércio geralmente demite os empregados contratados nas festas natalinas, este ano começou bem pior do que no ano passado.

Enquanto no primeiro trimestre de 2014 houve 79 demissões, nos primeiros três meses de 2015 o número de demitidos já chegou a 99 trabalhadores, o que resultou em uma perda líquida de 77 postos de trabalho no primeiro trimestre de 2015, contra 36 no mesmo período do ano passado.

Esses dados confirmam a impressão dos colegas de que as coisas estão mais difíceis este ano. E também reforçam a necessidade de a Prefeitura fazer bons investimentos de modo a reverter essa tendência. Essencialmente é preciso fazer umas boas férias de julho, atraindo visitantes e melhorando o nível de emprego no comércio neste segundo semestre, além de incentivar o setor produtivo, a agricultura.

Por outro lado é bom resistir à tentação de querer resolver o problema do desemprego por meio da folha de pagamentos da Prefeitura, contratando desnecessariamente pessoal desempregado.

Essa é uma ideia que persiste em Portel, motivada principalmente por políticos demagogos, a falácia de que a Prefeitura pode resolver todos os problemas do município simplesmente aumentando seus gastos, botando todos os desempregados na folha de pagamentos do município.

É uma nova ilusão que circula em Portel. Depois da ilusão da Amacol, de que depois que os brasileiros assumissem o comando, a companhia poderia resolver todos os problemas do município, agora vivemos a nova ilusão, de que a Prefeitura pode resolver todo o problema do desemprego, simplesmente contratando todos os desempregados.

Essa é uma receita certa para continuar no atraso.

sábado, 30 de maio de 2015

TURISMO EM PORTEL: ONTEM E HOJE


Abertura das férias 2014 em Portel na praia da Tucano (Foto: Ormnews).
Quando assumiu a Secretaria de Turismo, Aline Carvalho me chamou para pedir  algumas ideias para o turismo em Portel, sabendo que eu já tinha experiência nessa área em Belém. Era o ano de 2005, início do primeiro mandato do prefeito Pedro Barbosa.

Ela começava então na Secretaria, acompanhada do professor Carlos Araújo, sem experiência no turismo, mas com muita disposição. A sensação mesmo era que estavam começando do zero. Eu recomendei que o primeiro passo era criar um calendário de eventos para o ano todo e, dentro desse calendário, trabalhar as atrações de cada evento. O objetivo seria primeiro atrair os portelenses que estavam afastados do município, e depois os brevenses e pessoas de outros municípios.

Passaram-se depois oito longos anos dos dois mandatos do prefeito Pedro Barbosa, e essas ideias nunca saíram da gaveta (assim como não saíram da gaveta muitas outras ideias de todas as demais secretarias). A Secretaria de Turismo não tinha dinheiro, não tinha projetos e, se não me engano, logo foi fundida com a Secretaria de Esportes na nova Secretaria de Cultura, Esportes, Lazer e Turismo (SECELT).

Investir em turismo Pará é uma luta inglória. Prefeito investir em turismo no município é mais difícil ainda. Mais adiante veremos por quê. Mas só pra termos um exemplo, vamos relembrar um caso que eu ouvi em Soure.

Certa vez em Soure, na década de 1990, durante entrevista ao vivo, um radialista perguntou ao prefeito: “Sr. prefeito, o que é que o senhor tem a dizer ao turista que vem visitar e encontra nossa cidade feia, abandonada, suja?”

Ao que o prefeito respondeu: “Em primeiro lugar eu não estou convidando ninguém a vir aqui. Quem vem é porque quer. Em segundo lugar,...”.

 “Muito obrigado, prefeito, por aqui encerramos nossa entrevista”, concluiu o locutor.

É por esse nível de cultura que encontramos a maioria dos prefeitos paraenses.

Tem aquela também da Nancy, prefeita de Portel entre 1993 e 1996. Quando uma equipe da TV Liberal foi cobrir as férias de julho e a repórter pediu a ela que falasse os motivos para o visitante vir conhecer a cidade. Ao responder, a prefeita foi colocando tanta dificuldade, mas tanta dificuldade, que acabou desconvidando o turista. E olha que a prefeita tinha um gosto por festa.

COMO ERA NA ÉPOCA DO PREFEITO ELQUIAS

Foi o prefeito Elquias que começou a tradição das férias de julho, e também foi ele quem deu fim.

O concurso da Garota Verão e as competições esportivas começaramam naquela época na praia do Areião no início dos anos 1980. Era uma forma de receber os estudantes portelenses que vinham de Belém, uma forma de reencontro muito animado entre os jovens que não se viam durante o ano.

Em seguida o prefeito transferiu a programação para a praia do Arucará, ou praia da Vila, como se chamava na época, juntando assim o evento junto à sua maior obra, a construção da beirada, com Associação e ginásio, que passaram a se integrar na programação. Os jogos aconteciam no ginásio e o Baile da Musa na Associação (depois o Baile da Musa foi para a sede do Camel). Esse foi o auge das férias de julho em Portel.
Desfile Garota Verão nas férias, anos 1980.

No entanto, durante o segundo e o terceiro mandato do prefeito Elquias Monteiro, de 1997 a 2004, a programação das férias de julho foi acabando. Ficou apenas o desfile da Garota Verão, realizado sobre uma humilde passarela de madeira, ao final do qual o prefeito entregava uma bicicleta à vencedora. Até mesmo o tradicional Baile da Musa foi extinto.

Esse foi um tempo de estagnação econômica, antes mesmo do fechamento da Amacol. Havia emprego, mas havia desesperança. Não foi à toa que população alcunhou aquele período de “tempos sombrios”, marcados pelo suicídio misterioso de jovens.

Essa era a situação quando a Aline assumiu a Secretaria de Turismo em Portel. Mas o que era ruim estava para ficar ainda pior, bem pior.

Durante os dois mandatos do prefeito Pedro Barbosa, seguiu-se uma sucessão de escândalos, denúncias e reportagens de repercussão nacional, em todas as redes de televisão e jornais da capital, que foram parar até no Fantástico da Globo, e mancharam de vez o nome da cidade.

Uma hora era a tragédia da praga dos morcegos, outra hora eram os escândalos de corrupção, pedofilia, violência e miséria. Parecia que tudo o que tinha de ruim no Brasil vinha de Portel. Era como se a cidade tivesse passado a incorporar todas as mazelas nacionais. A imagem do município estava no fundo do poço, e a autoestima da população estava junta.

Trabalhar o turismo em um município desses parecia uma batalha perdida.

ASSUME O PREFEITO PAULO FERREIRA

Quando o prefeito Paulo Ferreira assumiu em 2013, a Aline Carvalho passou a ter uma função de mais importância no novo governo. Assim, coube a ela tirar da gaveta os projetos de turismo para o município. Desta vez, Portel não só voltou a ter uma programação para as férias de julho, como essa programação pela primeira vez foi divulgada antecipadamente. E toda ela foi, de uma forma ou de outra, cumprida.

Dentre as novidades, a abertura das férias foi transferida para a praia da Tucano. Além das tradicionais competições esportivas, foram incluídos show de música gospel e passeios ecoturísticos. E, para fechar as férias, grande show de uma banda de forró.

Assim, o tradicional Baile da Musa foi realizado no estádio Felizardo Diniz, mas agora apenas como um desfile para a escolha da musa. A grande atração da noite foi a banda de forró “Saia Rodada”. O sucesso da banda foi tanto que ela voltou a fazer show no dia seguinte, no palco da praia.

De início eu mesmo critiquei essas programações, com muita ênfase em atrações em bandas de fora, conhecidas nacionalmente, política essa maldosamente apelidada de “pão e circo” pela oposição. O custo estimado de R$ 100 mil para trazer uma banda dessas muitas vezes não vale o investimento feito, se não houver grande afluxo de visitantes no município.

As férias em Portel tem que ser pensadas como uma forma de trazer divisas para o município e de, assim, gerar empregos. Mas, sobretudo, ela tem um forte efeito psicológico sobre uma população carente de alternativas de diversão o ano todo. De toda forma, os gastos com os eventos não podem ser superiores à renda gerada pelos mesmos. Ainda que isso pareça difícil de ser quantificado.

GERSON PEREIRA À FRENTE DA SECELT

Quando o Gerson Pereira assumiu a SECELT, muitos disseram que a nomeação tinha motivação política, pois ele tinha concorrido nas eleições passadas pela chapa da oposição. Seria uma forma assim de cooptar pessoas da oposição. Mas ele logo provou que era a pessoa certa para o cargo.
Exibição de flyboard durante
 II Aquafest 2015 (Foto: Studio ZOOM).

Um dos maiores méritos do Gerson foi pegar um evento criado pelo governo do estado, e incorporar esse evento ao calendário municipal. Este ano apenas dois municípios no Pará tiveram Aquafest. Portel foi um desses dois (veja aqui um vídeo do Youtube sobre o II Aquafest).

Hoje a programação de turismo em Portel não se limita às férias de julho. Além das férias de julho tem o Aquafest em abril e o Festival de Música e Natal Sustentável em dezembro. Sem falar nas festividades religiosas.

Agora Portel tem uma programação para o ano todo. Acabou o Aquafest mas a equipe já tem que pensar as férias de julho.

A OPOSIÇÃO E SEUS ARGUMENTOS CONTRA O TURISMO

É muito fácil dizer que o público de turistas do Aquafest ficou aquém do esperado. Mas a organização de um evento desses exige uma capacidade de planejamento que é valiosíssimo para a prefeitura. Não só o planejamento, mas a realização envolve profissionais da área de sonorização, iluminação, profissionais de imprensa, montagem da estrutura de arquibancada e palcos. Isso pra não falar em carregadores e pessoal de apoio. Esses são profissionais técnicos essenciais para criar em Portel uma economia baseada na realização de eventos.

Contudo, parte população de Portel ainda falha em ver os benefícios trazidos para o município pela realização de eventos. Ainda se fala de forma pejorativa “fazer festa”, em “desperdício de dinheiro” enquanto a prefeitura poderia estar “contratando” para diminuir o desemprego... Disseminando a máxima: é botando apadrinhado político “na folha” da Prefeitura que se acaba o desemprego em Portel...

Essas são falas espalhadas, sobretudo, pela oposição como forma de criar uma insatisfação do público contra os eventos. Mas esses são argumentos falaciosos, enganosos, pois escondem do público os benefícios para o município.

Nas férias de julho, se apenas 400 pessoas forem a Portel, cada uma com R$ 500,00 para gastar, no final do mês, são R$ 800.000,00 deixados pelos visitantes no município.

Não há outra atividade que traga para o município tanto dinheiro em tão curto período. Atrair indústria para criar empregos no município exige muitos recursos e leva tempo até a instalação. Não há outra atividade que garanta renda para tantas famílias em tão pouco tempo. Negligenciar esse potencial turístico de Portel é não só burrice, mas até um ato criminoso.

Agora, a grande razão por que os políticos não gostam de investir em turismo no Marajó, é porque o dinheiro que turista traz não cai diretamente na mão do político. Ele fica na mão do carregador, do motorista de taxi, do dono do hotel ou da pousada, do dono do restaurante, do carrinho de lanche, e assim por diante. Político não gosta quando o dinheiro não cai direto na mão dele.

Claro que poderíamos discutir como formatar as férias de julho, e também os demais eventos do ano, mas falar em acabar com eventos que trazem dinheiro para o município é de um absurdo vergonhoso.

E é bom a população de Portel atentar para isso.

Pois as vozes do atraso já estão se juntando e, em coro, cantam pedindo a volta dos “tempos sombrios”...

domingo, 1 de março de 2015

FRATERNIDADE ÁGAPE DA CRUZ E O DRAMA DA EXPLORAÇÃO DE CRIANÇAS NO MARAJÓ.


Os olhos da criança olham apreensivos um futuro incerto.

Detrás dos muros de uma creche em Portel abrigam-se as vítimas de alguns dos crimes mais hediondos da sociedade, aquelas que mais sofreram, justamente onde esperavam ser mais amadas.

Essas vítimas são crianças, que sofreram abuso e violência nas mãos da própria família. Criada pelas freiras Raimunda Rodrigues e Maria José Iglesias em 2006, a Fraternidade Ágape da Cruz hoje acolhe e serve de lar para mais de 70 crianças, encaminhadas pelo Conselho Tutelar e pela Justiça. Apesar de terem sofrido as piores violências, quando chegamos somos cercados pelos abraços,  sorrisos das crianças, em uma alegria contagiante. Apesar de bem tratadas na creche, as crianças ainda são carentes de carinho e atenção. A Fraternidade Católica Missionária Ágape da Cruz é o refúgio onde elas encontram dignidade, segurança e proteção.

Aqui elas contam com casa-lar, brinquedoteca e escola, e aqui elas encontram, sobretudo, o carinho de que tanto necessitam. Esse cuidado é garantido por voluntários como a dona Socorro, e pelas doações dos moradores locais. 

Os muros da Fraternidade Ágape da Cruz abrigam as vítimas de
alguns dos mais monstruosos crimes da sociedade.


Criada no auge dos escândalos de abuso de menores em Portel, quando reportagens de televisão deram repercussão nacional ao abuso de crianças no município, a creche resultou da necessidade urgente de acolher duas crianças vítimas de abuso sexual. Aquelas primeiras duas crianças acolhidas pelas irmãs Maria José e Raimunda são agora 72 crianças encaminhadas pelo Conselho Tutelar e pela Justiça, vindas até de outros municípios (assista abaixo um vídeo da TV Aparecida sobre o drama da exploração de crianças na Ilha do Marajó e que mostra a Fraternidade Ágape em Portel).

O escândalo teve início em 2006 após dois vereadores terem sido denunciados por exploração de menores, e se ampliou à medida que incluiu também o drama das “meninas balseiras” de Melgaço e do Furo de Breves, dando origem à CPI (comissão parlamentar de inquérito) da exploração sexual contra crianças e adolescentes na Ilha do Marajó. Além da CPI da Assembleia Legislativa, o assunto foi objeto de audiências públicas da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados (O relatório da audiência pode ser lido aqui).

Na época, o fechamento da fábrica da Amacol e a consequente perda de postos de trabalho ocasionaram uma situação de miséria social em que muitos pais de família não tinham nem o essencial para o sustento de suas famílias. A piora das condições econômicas e a desestruturação familiar contribuíram para colocar muitas crianças em situação de risco.

Foi em meio à repercussão do escândalo que a governadora Ana Júlia Carepa e o prefeito Pedro Barbosa inauguraram a creche em 2011, que funciona como um anexo da Escola Municipal Alcides Monteiro, uma forma a justificar assim o aporte de recursos feito por parte da prefeitura. Porém, talvez pelo fato de ser obra da administração anterior, a creche hoje sofre em meio aos entraves burocráticos para assegurar o acolhimento das crianças.


A Prefeitura de Portel paga os salários dos contratados e garante a merenda escolar, mas, no início do ano, o prefeito Paulo Ferreira cortou drasticamente o número de empregados contratados para trabalhar na escola, que teve que reduzir o número de crianças acolhidas. Recentemente, a Câmara de Vereadores votou uma lei para aprovar a doação do terreno à creche, mas não se tem visto nas falas dos vereadores preocupações quanto às condições das crianças na creche. As doações para manter as crianças vêm principalmente de doações feitas pela população, mas as fontes de recursos financeiros têm secado cada vez mais, pondo em perigo o trabalho feito para as crianças.

Mas, se uma parte da sociedade ajuda, outra grande parte ignora o drama das crianças que vivem dentro dos muros da Fraternidade Ágape. É como se elas fossem um estigma de um pecado que a sociedade portelense prefere desconhecer. E depois de passadas as repercussões do escândalo, diminuíram as preocupações com o abuso de menor. De certa forma, se num primeiro momento as denúncias na imprensa ajudaram a chamar a atenção para o problema, por outro lado, elas deixaram a impressão no povo de que a preocupação das autoridades é só quando os agressores são políticos importantes na cidade. Hoje os casos de exploração infantil continuam até mais graves do que antes.
Os passos incertos das crianças mais inocentes,
 mas que sofreram os piores abusos.

A Fraternidade Ágape da Cruz é um retrato tocante da monstruosidade e ao mesmo tempo da bondade humana. De um lado, os atos de monstruosidade contra os seres mais inocentes. Do outro, o amor abnegado e a dedicação daqueles que voluntariamente se dedicam a cuidar delas.

Pela lei, as crianças devem passar no máximo dois anos sob os cuidados da creche. Depois desse período, elas devem ou ser adotas ou retornar para o convívio daqueles em cujas mãos elas sofreram os piores abusos. Esse é o pesadelo que vivem muitas delas, e também de suas protetoras na creche, cujo maior desejo é achar pais adotivos para as crianças sob seus cuidados.

Diante dessa insegurança, as crianças da Fraternidade Ágape da Cruz olham apreensivas para um futuro incerto, enquanto buscam superar um passado, que elas lutam para esquecer.

A Fraternidade Ágape da Cruz e suas crianças precisam de ajuda. Em Portel, o endereço é:

Passagem Nossa Senhora da Luz, s/n,
Bairro da Castanheira.
CEP 68.480-000
Portel – Pará.

Telefones: (91) 98953-6448
                 (91) 98144-9983.

Banco do Brasil
C/c: 14893-8
Agência: 2486-4

sábado, 22 de novembro de 2014

FÉRIAS DE JULHO EM PORTEL E GERAÇÃO DE EMPREGO




No último mês de junho em Portel, em meio a uma crise financeira e alegações de corte nos repasses da Prefeitura, o prefeito Paulo Ferreira demitiu dezenas, senão centenas de empregados temporários da Prefeitura.
Com uma programação de férias de julho planejada e divulgada, logo vieram as acusações de como podia a Prefeitura de Portel fazer festa em meio a demissão de tantos pais de família, “por que não mantinha o prefeito os prestadores de serviço no emprego e, assim, sacrificava as férias de julho, em vez de ficar fazendo festa?” diziam os discordantes.
Muito bem, eu discordava dessa ideia. Para mim, a programação das férias de julho deveriam ser mantidas. Ainda que alguns perdessem os empregos na Prefeitura, pior seria sacrificar o emprego de muitos outros. Mas, como não tinha dados para sustentar essa minha opinião, e para não ser pego entre a oposição debochadora e os aliados do prefeito, preferi me calar.
Até que, em agosto passado, pesquisando sobre estatísticas de emprego, me deparei com os dados do CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) do Ministério do Trabalho por município. Esses números revelam as contratações e demissões de empregos de carteira assinada e estão disponíveis para quem quiser pesquisar.
Pois bem, em julho de 2014 foram contratados em Portel 144 empregos de carteira assinada. Esse foi o melhor mês desde 2007, quando os dados começaram a ser difundidos Descontando 18 demissões, mesmo assim a variação positiva em 128 empregos é a melhor dos últimos sete anos.
Isso pra mim prova aquilo que eu havia dito sobre os empregos gerados nas férias de julho em Portel. A chegada de milhares de visitantes na cidade traz milhões em divisas escassas ao município. Esse dinheiro movimenta o comércio, os hotéis e pousadas, os restaurantes e o comércio informal de rua. E as pessoas vêm porque eles sabem que há uma programação e há o que fazer na cidade.
Neste ano de 2014, assim como no ano anterior, Portel foi um dos poucos municípios do Pará a ter uma programação anunciada com mais de um mês antes das férias. Essa divulgação, aliada ao fato que o prefeito Xarão, por algum motivo, parece que deixou de investir em férias de julho em Breves, ajudou a trazer milhares de veranistas e a gerar empregos em Portel, sem falar no mercado informal, dos vendedores ambulantes, que são em maior número.
Mas os dados do CAGED também fornecem indicações reveladoras sobre a economia em Portel. Até 2007, a cidade possuía um saldo positivo de mais de 100 empregos gerados no ano para os trabalhadores locais. Mas, em 2008, algum desastre aconteceu que resultou na perda líquida de mais de 194 postos de trabalho de carteira assinada no município. E qual foi o desastre?
Só pode ter sido um. Em maio de 2008 a Amacol foi violentamente invadida, e junto com a destruição das casas foram destruídos também postos de emprego. A serraria em si já havia parado, mas a invasão e os seus resultados destruíram inúmeros outros empregos. Portel nunca mais foi a mesma.
Desde 2007, tirando um diminuto saldo positivo de 15 empregos formais em 2009, Portel só perde empregos de carteira assinada. Para se ter uma ideia, de 2008 a 2013, foram eliminados em Portel quase 500 postos de trabalho formais em Portel. Esses são saldos líquidos. Isso deixa claro que desde a invasão da Amacol Portel só tem regredido. E quando juntamos a isso o fato de Portel tem uma população jovem e que a cada ano cerca de 1.000 jovens completam 18 anos e entram no mercado de trabalho, a tragédia fica completa. A maioria não tem outra opção senão entrar no mercado informal, mudar para outro município ou ficar sem fazer nada.
Forneço abaixo os números completos para se ter uma ideia (os números em parênteses são os números negativos):
2007 – 103
2008 – (194)
2009 – 15
2010 – (6)
2011 – (73)
2012 – (141)
2013 – (93)
2014 – 133
Todo ano o mês de julho é o mês de melhor emprego em Portel. Depois os trabalhadores vão sendo demitidos até que no final do ano o saldo é negativo. Neste ano de 2014, depois de julho, o saldo positivo tem continuado até outubro, quando houve uma perda líquida de seis postos de trabalho. Mas no ano o saldo deve ser positivo. Tomara que Portel agora esteja tomando o rumo certo.
É com essa preocupação com empregos para os jovens que eu defendo que as férias de julho se tornaram uma das mais importantes fontes de emprego na cidade. O prefeito não deveria ficar se preocupando com críticas daqueles que torcem para o ‘quanto pior melhor’. A programação das férias em si pode, e deve, ser discutida. Eu, pelo meu lado, acho que deveria haver mais espaço para as crianças, e atrações para os evangélicos também. Sem dúvida as comemorações da Assembléia de Deus em julho contribuíram muito para o número de visitantes no município.
Minha preocupação é que venha depois um novo prefeito, que diga que não quer investir em ‘festa’ e acabe com a fonte de empregos de centenas de trabalhadores. As férias de julho são uma conquista do povo e fazem parte da identidade de Portel. Na verdade o prefeito já deveria estar se preocupando com a programação de Natal e Ano Novo, e em pensar no ano seguinte. Tudo exige preparo antecipado.
Faço aqui a defesa de políticas em Portel que gerem emprego, até porque parece que nos últimos meses o prefeito se dedicou às articulações políticas e deixou de lado o incentivo à geração de renda.
Não vou deixar de cobrar melhorias para o meu município. Isso sempre de forma clara e com equilíbrio. Ainda que isso me desincompatilibilize com alguns indivíduos. Não estou na lista de pagamentos deles.

terça-feira, 10 de junho de 2014

O AGRICULTOR SEU ELISEU E O TERCEIRO LADO DA HISTÓRIA


O seu Eliseu na horta em seu quintal.
Após a reconstrução do Mercado Municipal de Portel, a prefeitura teve todo um trabalho de remanejar os vendedores ambulantes para o novo espaço e de garantir o movimento de compradores. Mas os vendedores de verdura logo reclamaram da ‘concorrência desleal’ que sofreriam dos vendedores que vendiam as verduras diretamente nas residências. Havia, sobretudo, um vendedor de verduras em bicicleta, o seu Eliseu.

Inicialmente, foi oferecido ao seu Eliseu um talho no novo Mercado Municipal. Ele recusou a oferta. Ele ganhava bem mais vendendo diretamente na porta casa dos seus fiéis fregueses. Premido entre os vendedores de seu novo mercado, que pagavam a taxa de manutenção à prefeitura, e o vendedor em sua bicicleta cargueiro, o administrador municipal não teve dúvidas. Recorreu ao código de posturas do município, promulgado, segundo o seu Eliseu, ainda no primeiro mandato do prefeito Elquias, lá nos fins do Regime Militar, e proibiu o vendedor de realizar suas atividades. Consciente dos seus direitos, seu Eliseu se recusou a aceitar a ordenação. Foi à Câmara Municipal, depois foi ao fórum. Decidiu sozinho lutar contra a Prefeitura.

Pronto, a história do humilde vendedor em sua bicicleta que seria perseguido por um prefeito opressor se tornou um prato cheio nas mãos dos abutres eleitorais, que, sentados confortavelmente atrás dos seus computadores, cuidaram de tirar todo proveito da luta do pobre trabalhador.

Ouvi essa história e a referência ao nome do seu Eliseu no facebook quase que à exaustão nas mãos de diversos portelenses.

No entanto, há um velho ditado norte-americano que diz: “Toda história tem três lados – o meu, o seu e a verdade”. Como eu já conhecia o lado da prefeitura e já tinha ouvido a versão dos abutres, fui ouvir o lado da própria vítima. Então, lá fui eu atrás do seu Eliseu.

Primeiro procurei ao longo da rua 2 de fevereiro, mas, como já era final de tarde, ele já havia passado com sua bicicleta em direção à sua residência. Então peguei um moto-táxi e fui até lá procurá-lo.

Ao chegar, encontrei um senhor um tanto desconfiado, mas orgulhoso. Ele me contou sua história, que é a que agora eu relato. Ele se indignava com o fato de que muitos diziam apoiá-lo (entre os quais a maioria dos vereadores), mas, na hora, nunca lhe prestaram apoio de fato, nunca fizeram nada. Inclusive dos que lhe procuraram pessoalmente para lhe tirar foto em sua cargueira para mostrar na internet, mas depois não voltaram mais.

Esses são aqueles aos quais eu me refiro como os “abutres eleitorais”, que se aproveitam dos infortúnios dos moradores de Portel apenas para obter um ganho político, mas na verdade não estão interessados em ajudar verdadeiramente ninguém.

Depois de ganhar um pouco de sua confiança, pedi para olhar a propriedade.

Vendo de fora parece uma casa igual às outras. Uma construção de madeira simples, mas, nas frente, um pequeno jardim de flores vermelhas, pelo lado esquerdo os canteiros de verdura, atrás o plantio de frutas e do lado direito, a horta de legumes, logo atrás uma criação de galinhas e patos. Enquanto seu filho trabalhava no reparo da cerca, seu casal de netos brincava entre as flores no jardim.
O casal de netos do seu Eliseu.
Vendo essa cena bucólica, ali eu revivi a memória de todos aqueles bem cuidados sítios da minha infância, que antes margeavam toda a estrada de Portel até o quilômetro dez. E que hoje desapareceram e deram lugar ao mato e ao abandono.

Orgulhoso, ele ia mostrando tudo na sua plantação ao mesmo tempo em que, de vez em quando, ponteava a conversa com um “isso aqui fui eu mesmo quem fez”. Seu Eliseu era um produtor, um lutador antigo da agricultura desde os tempos da velha estrada. Ele contava a sua experiência, falava das dificuldades que havia enfrentado no passado, da falta de transporte para os plantadores, e se indignava com os obstáculos colocados contra ele na atualidade.

Essa é uma situação que não é simples de se resolver. Tendo que escolher entre os vendedores do novo mercado e um vendedor ambulante, a solução encontrada pela Prefeitura foi restringir a área de venda do seu Eliseu para um perímetro fora do centro da cidade. Solução essa que não agradou ao velho vendedor, que perdeu boa parte de sua clientela.

O erro da prefeitura, penso eu, foi não ver que ali não estava só um atravessador, mas alguém que plantava o que vendia. Alguém que poderia ser um exemplo para muitos outros. Ali estava um produtor, que, sobretudo nessa época de Bolsa Família, se orgulhava de tirar da terra o sustento da própria família.

Pelo outro lado, existe muita gente que mascara o objetivo de se promover a si próprio por trás da máscara da hipocrisia de querer ajudar os outros.

(Esta versão dos fatos me foi contada pelo próprio seu Eliseu, com o relato também dos vendedores do mercado, em nenhum momento eu toquei no assunto com o pessoal da Prefeitura, até porque a Secretaria do Desenvolvimento já emitiu nota a respeito)

sábado, 24 de maio de 2014

COMPANHIA AMACOL: MITOS E ILUSÕES DA POPULAÇÃO DE PORTEL

Visão aérea da fábrica de compensados da Amacol.

Já há mais de dez anos se fechou a fábrica de compensados da Amacol, mas seus mitos e ilusões ainda sobrevivem na cabeça dos portelenses, mesmo dos mais novos.
Não é exagero dizer que a cidade atual de Portel nasceu com a fundação da companhia pelos americanos. Antes, a população de Portel era meio que dispersa nos rios, nos “altos”, ou “centros”, como eles chamavam. Meu pai e minha mãe nasceram nesses interiores, no “alto” dos rios Pacajá e Camarapi. A sede do município em si era muito pouco povoada. Servia bem mais como entreposto comercial da produção que vinha do interior, rumo a Belém.
Tudo mudou no final da década de 1950, quando chegaram os norte-americanos e começaram a erguer ali, na foz dos rios Pacajá e Camarapi, aquela que seria uma das maiores indústrias do interior do Pará até então, a Companhia Amazonas Compensados e Laminados Ltda, depois chamada de Amazônia Compensados e Laminados, Amacol.
Os norte-americanos importaram todo o maquinário dos Estados Unidos, enormes tornos e caldeiras, para produzir e exportar da Amazônia o laminado e o compensado para as indústrias dos Estados Unidos. Como não havia população suficiente na cidade, chamaram trabalhadores de todas as redondezas. E ali, junto à fábrica formou-se a cidade atual de Portel.
Depois vieram os norte-americanos mesmos e construíram uma vila de casas reproduzindo uma cidadezinha dos Estados Unidos. Havia ao todo cerca de dez casas, todas bem amplas e cercadas por gramados, sendo uma casa de hóspedes, a “casa 6”, completa com um amplo salão de refeições e biblioteca com livros de todos os tipos. Embaixo havia um bar com salão de jogos, e logo ao lado havia uma grande piscina, para o lazer dos moradores americanos.
A vila de casas dos altos funcionários norte-americanos era chamada pelos brasileiros simplesmente de “as casas” da Amacol. Bem depois eu descobriria que os americanos as chamavam de “compound”, palavra em inglês que significa recinto, ou “cercado”. Era mais apropriado para descrever como eles viviam ali mesmo. Pois, quando você atravessava o campo de aviação que separava a Amacol do restante da cidade, havia uma distância abissal entre as duas realidades daqueles norte-americanos e da população de Portel. Era como se entrasse em um outro mundo.
Apesar disso, a relação entre americanos e portelenses sempre foi, na maior parte do tempo, muito amistosa. Lembro que o meu tio Wilson me levava, ainda muito criança, para passar um domingo na piscina da Amacol, convidado pelos americanos. Entre eles havia o anfitrião, chamado Henk, um ruivo, meio gorducho e bonachão, que divertia os brasileiros imitando peixinho e fazendo caretas. Acho que, como ele não sabia falar português, procurava se comunicar com gestos e caretas. Eu via a dificuldade enorme que ele tinha pra falar com os brasileiros, e foi aí que eu decidi aprender inglês. Ele depois casou com uma brasileira, a irmã do Patarrão, com quem foi morar com ele nos Estados Unidos. Esse americano depois, infelizmente, teria morte trágica ao saltar de uma cachoeira (minha convivência com os americanos foram uma verdadeira lição de vida, talvez um dia aqui eu conte alguns detalhes).
E assim, a população de Portel se acostumou a viver com aqueles americanos de comportamento excêntrico, que buscavam superar o tédio de viver em uma cidade pequena no interior da Amazônia, ora fazendo acrobacias aéreas com um avião sobre a cidade, descendo em parafuso e fazendo rasantes sobre a praia do Areião, ora praticando esqui aquático no rio Pacajá (hábito que depois os portelenses endinheirados começariam a imitar). Havia ainda a Katy passeando manhosamente de cavalo todo final pela orla da cidade. Foram muitos deles que moraram em Portel.
Nessa época a luz elétrica não funcionava a noite toda. Ela se apagava às oito da noite. Depois às onze. Mas só na Amacol a luz funcionava 24 horas por dia, sete dias por semana. Dizia-se mesmo que a Amacol havia negociado fornecer energia para toda a cidade, em troca da isenção de impostos, mas o governo brasileiro recusou a proposta. Como resultado, a cidade permaneceu no escuro.
E assim, enquanto ia dormir à luz das lamparinas, a população olhava a Amacol iluminada, e sonhava o dia em que poderia tomar conta de tudo aquilo. ”Mas se pelo menos os brasileiros pudessem tomar conta da Amacol...”, diziam.
Para o povo, a riqueza era a Amacol, e a Amacol era a fábrica, eram aquelas máquinas. E a população acreditava que poderia viver eternamente dos empregos da Amacol. A cidade nunca se preparou para o dia em que ela fechasse as portas. Qualquer outro tipo de produção se tornava insignificante perto da potência econômica da multinacional, de seus empregos, daquela tecnologia.
Segundo um amigo na época me contou, em tom meio de anedota misturada com orgulho, nem mesmo os engenheiros norte-americanos eram capazes de consertar aquelas máquinas da Amacol, só os portelenses. Certa vez veio dos Estados Unidos um engenheiro jovem e cabeludo que, ao chegar à fábrica, olhou a máquina, viu o defeito, postou-se em pé e abriu seu manual. Leu, leu e não conseguiu descobrir o conserto. Até que finalmente ele admitiu “chama o mecânico!”. E lá se foram chamar em casa o mecânico, provavelmente o velho Pamplona. E então, concluiu meu amigo: “Tá vendo? Nossos mecânicos sabem mais que os engenheiros americanos!”.
Essa anedota encerra um tanto de verdade, de ser provável mesmo que nossos mecânicos conheciam mais daquelas máquinas que o jovem engenheiro. Porém o que ela não revela, é que para um jovem engenheiro formado nos Estados Unidos na década de 1980, as velhas máquinas da Amacol importadas no final da década de 1950 deviam parecer peças de museu. Na verdade todo o equipamento da Amacol, que a população tanto avaliava, era maquinário obsoleto. Mas continuavam aqueles sonhos de riqueza no maquinário da Companhia.
Noutra ocasião, lembro, um portelense que havia trabalhado no navio que transportava os compensados para os Estados Unidos, e que por isso se julgava conhecedor da realidade da empresa. Durante uma conversa, à beira do campo do Amazonas, sentenciou: “Com uma caixa de compensados, eles (os americanos) pagam os salários de todos os trabalhadores brasileiros!”. Imagina então o que poderia fazer com o dinheiro das centenas, ou milhares, de caixas exportadas?
Apesar disso, o clima entre brasileiros e americanos continuava de muita amizade. O gerente então era o Jack Phelps, um senhor muito simpático, cujas filhas Polly, Abigail e Mary passaram várias férias de verão em Portel e fizeram muitos amigos (e namorados) entre os jovens locais.
Mas tudo isso havia mudado drasticamente quando eu voltei para lá, em 1987. Foi logo depois de ter ocorrido a grande greve.
Como todo movimento, as reivindicações da greve começaram de modo simples. Parece que os vigias pediam, inicialmente, nada mais que sanitários, para fazer suas necessidades. Mas nessa época o gerente já era outro, Scott Jackson. Ele era a pessoa errada, na hora errada. Não poderia haver um momento pior para ter um gerente como ele chegado à Amacol. A recusa e a ignorância do gerente norte-americano foram o estopim da revolta.
Operários da Amacol durante a grande greve de 1985.

Foi Scott Jackson que, praticamente, a exemplo do que os ingleses faziam em suas colônias, só faltou colocar uma placa na entrada das casas dizendo: “BRASILEIROS NÃO SÃO PERMITIDOS”. A placa pode não ter sido colocada, mas a ordem havia sido dada na guarita, só podiam entrar nas casas os brasileiros que estivessem a serviço. As visitas foram proibidas, namoros entre americanos e brasileiros não eram mais tolerados. Qualquer desobediência por parte dos americanos mesmos significava demissão.
Para piorar, aquele era ano de fim da ditadura militar, de redemocratização, de tomada de poder pelo povo. E entre reivindicações legítimas, de melhores condições de trabalho e de salário, e de sonhos de assumir o comando da empresa, a greve escalou para o rumo da radicalização, indo do fechamento e “lock-out” da fábrica, chegando até o cárcere privado dos norte-americanos nas casas e ameaças de agressão física, em meio às tentativas desesperadas de fuga dos gringos pela pista de avião. As relações entre brasileiros e americanos nunca foram a mesma desde então.
Já na época, retornado a Portel em 1987, eu ouvia falar do gerente cujas histórias de discriminação aos trabalhadores inflamaram a revolta dos brasileiros, o Scott Jackson, mas não o conhecia pessoalmente. Certa vez, estava eu na Amacol, debaixo da casa 7, quando chegou de bicicleta um rapaz norte-americano, alto, magro e simpático, que passou e me cumprimentou. Eu perguntei: “Quem é esse?”. E me responderam: “Esse é o Scott Jackson”. Fiquei com a impressão de que o diabo pode se apresentar de muitas formas, nem sempre como a gente imagina. Vinte anos depois ele teria um fim trágico, quando caiu o avião em que estava, na Malásia, matando também as suas duas filhas, entre as quais a Stephanie, que morou em Portel junto com os pais.
Qualquer que tenha sido o efeito da administração do Scott Jackson, sei que ela acabou repercutindo mal nos Estados Unidos. Tanto que a direção da Georgia Pacific decidiu colocar em seu lugar um gerente mais afável e experiente. Assim, Bruce Larson chegou a Portel com a missão de recuperar as relações com os brasileiros. Tanto que logo que, logo após sua chegada, organizou um verdadeiro banquete de apresentação, e convidou prefeito e autoridades do município, para celebrar junto com a alta administração da Amacol.
Conheci o gerente Bruce Larson ainda de sua primeira visita a Portel. Era uma pessoa muito simpática e de bom coração. Segundo ele me disse, o plano da Georgia Pacific era fechar simplesmente a Amacol, pois a qualidade do compensado exportado pela Amacol era muito baixa, e os custos não justificavam a sua manutenção. Porém, depois de conhecer a fábrica, Bruce viu que o problema estava no maquinário antigo, e não na qualidade da matéria prima. Assim, ele assumiu a responsabilidade de manter em funcionamento a fábrica, e a Georgia Pacific teria vendido a Amacol para ele, a um preço simbólico.
Contudo, anos depois, conversando com Bill McKinley, um engenheiro florestal norte-americano que vinha regularmente ao Pará comprar madeira, e que conhecia tanto a Amacol como o Bruce Larson, pois os dois vinham do mesmo estado, do Oregon, Bruce nunca foi dono da Amacol. A Georgia Pacific teria negociado a Amacol com uma fábrica da Malásia, o Bruce seria apenas o administrador.
Bruce Larson tinha uma preocupação não só com a Amacol, mas também com os rumos do município. Foi ali, na casa dele, que tive uma verdadeira lição sobre os rumos de Portel, uma lição que continua válida até hoje, mais do que nunca.
Lembro de uma vez durante um almoço, quando ele estava particularmente nervoso. A prefeitura, sem lhe comunicar, havia derrubado a cerca da Amacol para realizar obras na estrada, que passava ao lado. Eu falava então sobre o desenvolvimento do município, e etc e tal, quando ele, exaltado, se levantou e, naquele linguajar típico dos americanos, falou: “Se quiser desenvolver Portel, o prefeito tem que botar o traseiro no avião e ir atrás de recursos fora do município, fora do país, porque aqui dentro de Portel mesmo não há dinheiro suficiente para desenvolver o município!”.
Bruce Larson, gerente da Amacol.

Na hora, um pouco contrariado com aquela exaltação, eu calei, embora eu não concordasse exatamente com a resposta dele. Porém, depois, pensando melhor, eu fui dar razão ao Bruce e vi que esse é um conselho que vale para o prefeito até hoje. Se quiser desenvolver Portel, o prefeito tem que buscar recursos de fora, pois, tirando o que a Prefeitura tem que investir em educação, saúde, saneamento e pagamento da folha, sobra quase nada para investimentos de peso para gerar empregos no município.
Bruce Larson tentou modernizar a Amacol, a população de Portel ficou devendo a ele vários anos de sobrevida da velha fábrica, mas ele não conseguiu dar novos rumos à Companhia. Imagino a frustração com que ele deve ter partido sem realizar seus sonhos. Ele foi provavelmente o último gerente norte-americano a morar diretamente na Amacol. Depois todos os altos empregados passaram a ser brasileiros.
Independente de quem era o proprietário legal da empresa, contou Bill McKinley, seria difícil manter as operações da Amacol. No mercado internacional, os preços do compensado caíam continuamente, reduzindo cada vez mais o interesse da Georgia Pacific na empresa. Outro fator decisivo foi a implantação do Plano Real em 1994 e a desvalorização do dólar. A Amacol certamente recebia parcela significativa de receita cambial, advinda da diferença entre o preço entre a moeda brasileira e a moeda norte-americana. Com a desvalorização, ela passou a receber bem menos em real por cada caixa de compensado vendida nos Estados Unidos.
De fato, ao longo de toda a década de 1980, o preço do compensado permaneceu baixo, mas a alta cotação do dólar garantia a receita cambial. No entanto, no ano de 1992, os preços internacionais do compensado deram um salto, pulando de US$ 350 para US$ 751 a caixa, mas já no ano seguinte o preço caia para US$ 564, até voltar novamente para o patamar de US$ 300.
Raciocinando como o pessoal de Portel, calculando o número de trabalhadores pagos com a exportação de uma única caixa de compensados, é possível ter uma ideia das agruras da companhia. Em março de 1988, com a exportação de uma caixa de compensados, a Amacol pagava os salários de 6,73 trabalhadores. Em 1992, após a alta no preço do compensado no mercado internacional, a mesma caixa pagava 9,14 trabalhadores. Mas em 1998, após o Plano Real e a queda na cotação do dólar, a exportação de uma caixa de compensados pagava apenas 3,03 trabalhadores (a informação do preço do compensado do Banco Mundial, salário e cotação do dólar são do Ministério da Fazenda). Em outras palavras, a velha fábrica estava com o seu destino fadado.
Mas havia dificuldades ainda maiores que o simples preço do compensado no mercado internacional. Em meados da década de 1990, o compensado começou a sofrer a concorrência de um produto mais barato, o MDF importado da China. Nos Estados Unidos mesmo, a indústria madeireira encolheu. No Oregon, estado de onde vinha a maioria dos americanos da Amacol, o número de trabalhadores empregados na indústria madeireira caiu para menos da metade, de 70 mil para 25 mil, de 1990 até hoje.
No início do ano 2000, já, não fazia mais sentido manter em funcionamento a velha fábrica de quase de 50 anos. Assim os tornos e as máquinas, que a população antes acreditava ser sua maior riqueza, pararam de vez, o apito que chamava os trabalhadores para os turnos silenciou, e “as casas” já não tinham mais nenhum americano.
Antigamente a população dizia que quando a Amacol fechasse, a cidade acabava.
A cidade não acabou. Nesse momento já havia várias outras serrarias no município, e a direção da Amacol fez o que podia ser feito, orientou a produção para a exportação de madeira serrada. A empresa então já não era nem a sombra do que fora antes, mas ela ainda valia uma fortuna, em terras e madeira.
Nesse momento então, a população de Portel viu ruir mais uma ilusão, aquela de que, se o controle da empresa estivesse nas mãos de brasileiros, a cidade se beneficiaria bem mais com os lucros gerados pelos trabalhadores e pela riqueza da região. Na realidade o fato de os seus responsáveis serem estrangeiros como que protegia a Amacol contra os interesses locais, ela funcionava quase que como um enclave. Mas no momento que brasileiros administravam a companhia, esse poder começou a ser alvejado de vários lados, e a Amacol não estava mais protegida contra interesses.
A fábrica de compensados da Amacol fechou em razão da conjuntura internacional, mas a serraria poderia ter funcionado por muito tempo, mesmo que não empregando mais tantos trabalhadores.
Mas nada justificava o que aconteceu em maio de 2008, quando uma turba de mais de duas mil pessoas, incitadas por aproveitadores políticos, invadiram o terreno, saquearam e queimaram as casas, não poupando nem mesmo o consultório do médico. Em meio ao caos, saques, confusão e até mortes, em meio à destruição daquele que a população uma vez acreditava ser o seu maior patrimônio.
Antiga guarita da fábrica sendo depredada por invasores.

E assim, em poucos dias, onde havia opulência e riqueza, nasceu um bolsão de pobreza, a favela da Portelinha.